SANGUE


Os mistérios da loucura são os mistérios do sangue. São os movimentos desregrados do sangue que perturbam a razão das pessoas despertas, como produzem, durante a noite, o desregramento dos sonhos. A loucura e certos vícios são hereditários, porque residem no sangue. O sangue é o grande agente simpático da vida; é o motor da imaginação, é o substratun animado da luz astral polarizada nos seres vivos; é a primeira encarnação do fluído universal, é a luz vital materializada. É feito à imagem e semelhança do infinito; é uma substância negativa na qual nadam e se agitam bilhões de glóbulos vivos e magnetizados, glóbulos cheios de vida e bem vermelhos graças a essa insaciável plenitude. Seu nascimento é a maior de todas as maravilhas da natureza. Ele vive apenas para transformar-se. É o Proteu universal: parte de princípios em que não estava contido, torna-se carne, cabelos, tecidos particulares e delicados, unhas, suor, lágrimas. Não se alia nem à corrupção nem à morte. Quando a vida cessa, decompõem-se; se conseguirmos reanimá-lo, refazê-lo por nova imantação de seus glóbulos, a vida recomeçará. A substância universal, com seu duplo movimento, é o grande arcano da vida.

Da mesma forma, todos os mistérios religiosos são igualmente mistérios de sangue. Não há culto sem sacrifícios e o sacrifício incruento só poderia existir como transubstanciação de um sangue verdadeiro, sempre efervescente, sempre falando, sempre gritando, com sua força divinamente expiatória, tanto no altar como no Calvário. Os deuses da Antigüidade gostavam de sangue, e os demônios tinham sede de sangue. Isso levou o conde Joseph de Maistre a pensar que o suplício suplica, que o cadafalso é um complemento do altar e que o carrasco é um prolongamento do sacerdote.

"É do vapor do sangue", diz Paracelso, "que a imaginação tira todos os fantasmas que cria."

As visões são o delírio do sangue: agente secreto das simpatias, propaga a alucinação como um vírus sutil. Quando ele se evapora, seu soro se dilata, seus glóbulos se intumescem, se deformam e dão corpo às mais bizarras fantasias. Quando sobe ao cérebro exaltado de Santo Antão ou de Santa Teresa, aparece-lhes realizando por eles quimeras mais estranhas do que as de Callot, de Salvador ou de Goya. Ninguém inventaria os monstros que a sua superstição fez brotar: é o poeta dos sonhos; é o grande hierofante do delírio.

Assim, tanto na Antigüidade como na Idade Média, evocavam-se os mortos pela efusão do sangue. Cavava-se um fosso, jogava-se vinho, perfumes inebriantes e o sangue de uma ovelha negra; as terríveis feiticeiras da Tessália acrescentavam ainda o sangue de uma criança. Os próprios hierofantes de Baal ou Nisroch, em exalação furiosa, faziam incisões por todo o corpo e solicitavam aparições ou milagres, aos vapores de seu próprio sangue.

Então, tudo começava a rodopiar diante de vapores de seu próprio sangue.

Então, tudo começava a rodopiar diante de seus olhos desvairados e doentes; a Lua tingia-se de cor do sangue derramado e acreditavam vê-la cair do céu. Em seguida, começavam a sair da Terra coisas horríveis e disformes, que se arrastavam, que esvoaçavam; viam-se formar larvas e lêmures. Cabeças pálidas e sórdidas como os velhos sudários, todas barbadas com o bolor do túmulo, vinham debruçar-se sobre o fosso e estendiam a língua para beber o sangue esparramado. O mágico, completamente enfraquecido e ferido, debatia-se contra elas com o gládio até a aparição da forma esperada e do oráculo. Em geral, era o último sonho do esgotamento, o paroxismo da demência. Então, o evocador caía quase sempre como fulminado e, se estivesse só, se não o socorressem prontamente, se um poderoso remédio não o fizesse voltar a si, no dia seguinte o encontrariam morto e dir-se-ia que os espíritos se tinham vingado.


(Éliphas Lévi - “A Ciência dos Espíritos, Capítulo V”)