OS FARDOS DA IMORTALIDADE


Como qualquer estudante de folclore sabe, os Vampiros são imortais e imunes ao envelhecimento. Neste aspecto, os eruditos e os tradicionais estão certos. Depois de criado, o Vampiro vive até ser ativamente destruído, ou até que a Besta vença o Homem ou, após incontáveis milênios, que o Sangue esteja fraco demais.

Através dos séculos os mortais têm sonhado com o segredo da imortalidade, pensando nela como uma grande fonte de poder. Desde os sacerdotes dos tempos primitivos, passando pelos alquimistas dos dias em que eu ainda respirava, até os médicos do presente. Os mortais têm gasto mais riquezas e esforços na guerra contra o envelhecimento e a morte, do que em causa de qualquer religião ou empreendimento.
Muitos Vampiros recém-aceitos pela Família Vampírica, depois que superarem o choque da Mudança e começarem a adaptar-se à nova situação, rejubilam-se ao perceberem que têm uma eternidade pela frente. Confesso eu mesmo ter esboçado tal reação. Trata-se contudo de mais um faca de dois gumes - é outra porta pela qual a loucura pode entrar.

Considere, por exemplo, ter de presenciar seus entes queridos - até mesmo filhos e netos - envelhecerem e morrerem, enquanto você permanece forte e vigoroso. A imortalidade os obriga a viver completamente fora da sociedade mortal, ou pelo menos nos mudar uma vez a cada década, de modo que nos descubram que não envelhecemos. A História passa por nós como um raio, deixando-nos intocados.

Quanto mais se vive como Vampiro, maior é a sensação de distanciamento dos assuntos mortais. Pode ser uma vantagem no começo, pois ajuda a sufocar a culpa de matar e a dor de perder seus familiares para o Tempo inclemente. Mas, à medida que essa segregação aumenta e cresce, a chama de humanidade míngua, e a Besta torna-se mais forte. No mundo dos mortais, os mais terríveis costumam segregar-se de sua espécie, atrocidades tranquiliter gestanae. Como os turcos, o mesmo lado de uma moeda diferente.

Mesmo se um indivíduo puder lutar contra esse verschiedenskeit desumanizador, o Tempo conferirá outras armas à loucura. Pois, sem segregação, a culpa e o remorso mantêm-se irrefreados, tragando os sentimentos como o ácido corrói o metal. Os soldados mortais retornam das guerras em terras distantes feridos pela violência que viram e cometeram, mas são obrigados a conviver com suas memórias apenas durante algumas décadas. A culpa de um Vampiro é eterna, e o tempo pode exaurir a força de vontade mais poderosa. Outra face do Enigma: podemos perder nossa humanidade para evitarmos perder nossa sanidade; porém, o que é a loucura senão a perda da humanidade? Mais cedo ou mais tarde, regozija a Besta, tu serás meu.

Mais um paradoxo - tornamo-nos mais fortes conforme enfraquecemos. Quanto mais velho é um Vampiro, mais forte ele é - mais inteligente por haver vivido tanto tempo, mais versado e experimentado em certas artes e poderes, mais apto a suportar aquelas coisas que constituem em anátema para nós. Os velhos, talvez, também sejam o de vontade mais forte, não tendo se tornado um monstro. E ainda assim, são os mais fracos, pois a Besta insensatamente força a barra de sua prisão, sabendo que com o tempo elas irão ceder. Os mais velhos isolam-se de sua raça, temendo o dia no qual poderão vir a tornar-se monstros e entretendo-se com jogos paranóides de gato e rato, nos quais os membros mais jovens são as peças.


(Mark Hein Hagen - “Vampiro: A Máscara”)